Cada dia que passa, fico mais preocupado com a maneira como tomamos decisões. E eu tenho mais evidências de que nós não estamos fazendo isso bem. Esse tema é um tema que me encanta: tomar as decisões e por que nós fazemos as coisas da maneira que nós fazemos. Por que não de outra forma? Quais são os processos que levam as pessoas a decidirem por A em vez de B ou o contrário?
E esse tema tão interessante tem me levado por horizontes, por caminhos incríveis, em uma jornada que eu nem imaginava que iria tão longe assim. E é sobre isso que eu gostaria de falar hoje com a gente aqui para trazer para a nossa comunidade.
Bom, primeiro uma boa tarde, bom dia, boa noite, não sei que horas você está ouvindo isso, espero que todo mundo esteja bem e com saúde.
Tomada de decisão, hoje eu tive uma palestra, meio palestra, meio workshop sobre esse tema e me inspirou a vir aqui gravar isso para vocês enquanto eu ainda estou quente no assunto, porque eu tive que me preparar bastante para esse momento e recorrer a materiais um pouco mais, fazer um pouco mais de tempo que eu não mexia. E também me deparei com coisas novas.
Bom, o processo de tomar decisão é estudado por muita, muita gente. Então você vai encontrar uma série de escolas, de teorias, de direções diferentes sobre como o ser humano toma decisões.
Eu gosto de começar essa conversa pelo Daniel Kahneman, que como vocês conhecem é um psicólogo que ganhou o Nobel de Economia, autor de um livro incrível chamado Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. E nesse livro, ele explora justamente de forma intensiva como os nossos vieses cognitivos, ou seja, caminhos que o nosso cérebro nos leva a refletir que não estão corretos, embora nós estejamos certos de que estão. Como esses vieses influenciam a nossa tomada de decisão.
Inclusive, há um documento chamado Códex dos Vieses Cognitivos que você vai encontrar mais de 180 caminhos que nosso cérebro nos leva a refletir. E a gente tem certeza de que está refletindo corretamente, quando na verdade nós estamos indo para o caminho totalmente errado.
Um deles é a Lei de Murphy, quem é que nunca ouviu falar? Lei de Murphy, que uma coisa sempre vai dar errado na moral da pior maneira possível se puder. Ou aquela sensação que você tem de que a fila do lado está andando mais rápida, a menos de que haja realmente uma obstrução na fila que você está que justifique essa tua decisão, quando a tua percepção ali de que a fila está andando mais rápido, e quando sempre que você troca de fila a outra começa a andar, isso é um exemplo de viés cognitivo.
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E o Daniel Kahneman, ele afirma categoricamente de que, abre aspas, “há muita aleatoriedade nas decisões que nós tomamos”.
Uma vez que nós estamos ou estejamos conscientes dos nossos vieses cognitivos, da nossa dificuldade, o Daniel Kahneman comprova na teoria que lhe concedeu o prêmio Nobel, que nós tomamos decisões muito mais por medo de errar, por medo de perder, do que de fato pela lógica.
Ainda que você mostre para uma pessoa dados, fatos, argumentos comprovados, científicos, de que fazer A é melhor do que fazer B, essa pessoa, por medo, ela tende a fazer B e não A, ainda que ela tenha todas as evidências de que o caminho é outro.
E o primeiro passo para que a gente possa tomar decisões melhores passa por nós estarmos conscientes da nossa limitação na decisão.
Isso me faz lembrar uma passagem da Ilíada, na qual Ulisses está voltando e na volta de Troia, ele passa por uma região no mar que é infestada de sereias. E como todos nós sabemos, o que acontece quando os marinheiros se deparam com as sereias? Elas vão cantar, e o doce canto das sereias seduz os marinheiros para que eles se lancem ao mar voluntariamente, lançando-se à própria morte.
E Ulisses e todos os marinheiros que estavam com ele sabiam que iam passar por esse lugar e havia uma melhor prática ali de quando eles vão passar por ali, eles colocam cera nos ouvidos e enfaixam o ouvido de modo que eles não escutem absolutamente nada. A cera tampa toda a audição deles. E aí sim, eles estão imunes ao canto das sereias.
Mas Ulisses queria poder ouvir esse canto e com isso ele… Ciente, bom, ele poderia e tinha todos os argumentos para poder dizer que não, as sereias enganam os pescadores mais, os marinheiros mais inexperientes. Eu sou um guerreiro extremamente experiente, jamais serei pego pelo canto das sereias. E quem é que iria dizer o contrário, né? Ninguém iria dizer o contrário. Mas, ciente da sua limitação humana, e sabendo de que ele iria se deparar com uma situação na qual ele provavelmente iria sucumbir, ele pediu para que os marinheiros o amarrassem ao mastro do navio e não o soltasse de forma alguma. Porque ele queria, curioso, ele queria poder ouvir esse tão belo canto da sereia, mas de modo que ele não morresse no final.
E quando o navio se aproximou da ilha em que as sereias ficavam, elas começaram a cantar, tentando seduzir Ulisses com promessas de glória e conhecimento secreto. E ele, capturado por esse canto, implorou aos seus homens, aos marinheiros, que o soltassem para que ele pudesse seguir as sereias. Mas eles, com os ouvidos protegidos pela cera, seguiram as ordens anteriores que ele tinha dado de “não me soltem de forma alguma”. Sabendo que eles estavam com o ouvido tampado, eles não iriam ouvir também implorando para que fosse solto. E com isso, ele conseguiu ouvir o canto da sereia, saber o que era, sentir tudo isso, mas em segurança.
Como isso se aplica à nossa realidade? O primeiro passo é lembrarmos de que somos bastante frágeis em relação a decisões. Segundo, que quando nós nos colocamos numa situação de mudança, quando precisamos mudar hábitos de decisão que nós já temos, uma pessoa que é, por exemplo, acostumada a tomar decisões sempre da mesma forma, ou que recorre frequentemente ao mesmo viés cognitivo, a pessoa sempre usa a mesma estrutura decisória para optar por A ou B. Uma vez que ela vai mudar isso, ela vai passar por um processo de mudança, e esse processo de mudança tende a querer quebrar um hábito para formar outro.
E essa quebra de hábito é muito difícil. Um livro que fala bastante sobre essa questão é O Poder do Hábito, de Charles Duhigg. Quando ele conta a história de um senhor que havia tido uma encefalite viral e tinha perdido a memória de curto prazo, e andava todos os dias em volta do quarteirão com a esposa, um dia ele acabou se soltando da esposa, e ele não podia fazer isso, porque senão ele não conseguiria nem dizer para os outros onde ele mora, porque ele havia perdido a memória de curto prazo, só lembrava do que tinha acontecido até uma data, dali pra frente ele não lembrava de mais nada, não aprendia nada novo.
No entanto, esse senhor conseguiu andar sozinho em volta do quarteirão, fazer o mesmo caminho que fazia todos os dias, e voltar para casa com caminho que ele não saberia dizer, porque ele não conhecia. Se você perguntasse para ele, ele não saberia dizer, mas ele fez. E Eugene Pauly, o nome desse senhor, ele foi estudado quando perceberam que na verdade o problema não havia sido, ou então, o que aconteceu não havia sido que ele estava curado da memória que tinha sido perdida. O que fez com que ele conseguisse andar, fazer o caminho todinho e voltar para casa sozinho, sem ninguém dizer para ele, era o hábito de fazer aquilo todos os dias.
Então o hábito cria como se fosse uma canaleta. Já jogou boliche? Que quando você joga a bola ali, a bola vai para a canaleta e não sai mais? O hábito cria como se fosse uma canaleta no nosso processo decisório, que a gente vai cair sempre para lá, ainda que você não precise se lembrar do porquê você toma aquela decisão daquela forma.
Então, passo um nosso é estarmos, primeiro, conscientes do impacto de Ulisses. Estarmos cientes da nossa fragilidade humana e, de preferência, pedimos ajuda para outras pessoas. “Olha, por favor, eu quero mudar a minha forma de tomar decisões nesse sentido. Quando você perceber que eu estou fazendo isso, me ajude para que eu não caia de novo nessa valeta.”
Segundo, entendemos que estamos passando por um processo de mudança e que isso vai demandar a gente, isso vai de alguma forma precisar mudar um hábito e um hábito leva tempo para ser formado e significa que você vai precisar repetir um processo novo durante algum tempo até que aquele processo novo se torne o novo processo e você passa a fazer sem pensar. E por último, mas não menos importante, temos uma técnica, ou um processo, ou uma teoria mais robusta em relação a tomar a decisão para que a gente possa, a partir dali, melhorar o nosso processo decisório.
Então, a partir do momento que você identifica a sua fragilidade, se dá conta dela e que você sabe que vai precisar mudar, você precisa se apoiar em algo para tomar melhor essa decisão. Qual vai ser o novo modelo? Qual vai ser o novo processo? Como você vai melhorar intencionalmente as suas decisões? Eu posso te dar um exemplo aqui de decisões financeiras.
Imagine só uma pessoa que tem uma certa aversão a investimentos e costuma pegar todo o dinheiro e colocar embaixo do colchão. E você consegue até mostrar para ela que isso não é a melhor opção para o dinheiro dela, mas ela está tão acostumada a fazer isso que ela vai continuar fazendo mais por medo de perder o dinheiro do que de fato, por mais que sempre comprove que ela está perdendo, deixando embaixo do colchão, ela vai continuar fazendo.
Se a pessoa finalmente se der conta disso, o primeiro passo enquanto ser humano é saber que ela tem essa fragilidade e que ela vai, na dúvida, ela vai tentar fazer isso de novo. No momento de estresse, ela vai recorrer ao padrão decisório antigo. Passo dois, pedir ajuda. Que ela peça ajuda para pessoas da confiança dela de que, “olha, eu quero mudar o meu hábito decisório em relação ao investimento. Quando você perceber que eu estou voltando ao hábito antigo, eu quero que você me ajude a não cair no canto da sereia.”
Pessoa como, por exemplo, pode ser um consultor financeiro da sua confiança, pode ser uma pessoa da sua família, seu amigo, sua amiga, que você confie, saiba que a pessoa tem mais conhecimento do que você naquilo e que ela não vai deixar você cair de volta, entrar de novo no mesmo ciclo. E terceiro, estudar, aprender sobre investimento para que você passe a se sentir mais seguro tomando outras decisões.
É claro que não é tão linear assim, que entre uma coisa e outra você vai derrapar, você vai errar, você vai voltar para o estado anterior, mas até que um novo hábito se forme, a gente precisa recorrentemente repetir, repetir, repetir, até que então ele se torne natural.
Qual decisão hoje, na tua opinião, você pode estar tomando de uma maneira que não seja a melhor? Onde você pode estar achando que está fazendo da melhor maneira possível, mas você só está repetindo velhos hábitos, talvez hábitos que nem tenha sido você que criou, mas que você aprendeu com alguém. E esses hábitos estão te impedindo de tomar decisões melhores.
Como você pode se tornar mais consciente do que você está fazendo inconscientemente? Como você pode se tornar mais consciente disso? Quem pode te ajudar nesse processo? Qual é o pacto de Ulisses que você vai fazer?
Bom, tem muita coisa para gente refletir. Espero que tenha trazido bons insights para você. Até a próxima, valeu!