A liderança servidora gera resultados?

A liderança servidora é uma abordagem de liderança orientada para os outros, manifestada através da priorização individual das necessidades e interesses dos seguidores em um contexto um-a-um, e reorientando sua preocupação de si para a preocupação pelos outros dentro da organização e da comunidade mais ampla.

Segundo Greenleaf, autor da teoria da liderança servidora, líderes servidores, por definição, colocam as necessidades de seus subordinados antes de suas próprias necessidades e centralizam seus esforços em ajudar os subordinados a crescer para alcançar seu potencial máximo e obter sucesso organizacional e profissional ótimos. Sua motivação para realizar essas tarefas não é o autointeresse; ao contrário, líderes servidores “querem que seus subordinados melhorem para o próprio bem deles, e veem o desenvolvimento dos seguidores como um fim em si mesmo, não apenas como um meio para alcançar os objetivos do líder ou da organização” (Ehrhart, 2004).

Nesse sentido, a “servidão” vai além dos desejos do ego e constrói um clima de trabalho que gera sentimentos de empoderamento dos funcionários. Além disso, a liderança servidora estende-se além do local de trabalho para fomentar nos seguidores um espírito de servidão, ou trabalhar para criar valor para a comunidade em geral. As qualidades que se manifestam através do comportamento de um líder servidor incluem comportamento ético e um alto nível de capacidade conceitual (Greenleaf, 1977). A confiança se desenvolve na relação como resultado do subordinado encontrar os julgamentos e ações do líder como reflexivos, confiáveis e morais. Além disso, a ênfase de um líder servidor em atender às necessidades de seus subordinados promove a crença dentro dos subordinados de que o líder está ativamente buscando uma relação de qualidade. Além de ajudar os subordinados a crescer, líderes servidores atendem às necessidades afetivas e emocionais dos subordinados (Page & Wong, 2000), oferecendo suporte que vai além do contrato de emprego formal.

Uma importante pesquisa, publicada em 2008, foi elaborada para avaliar a liderança servidora tanto em relação à sua estrutura, quanto em relação a seu impacto nos times.

Para entender as dimensões da liderança servidora, os pesquisadores enfrentaram inicialmente um cenário onde a literatura existente apresentava diversas e, por vezes, contraditórias descrições do conceito. Com o objetivo de esclarecer e estabelecer um conjunto coeso de características, o estudo em questão foi meticulosamente planejado para definir e confirmar as dimensões fundamentais que constituem a liderança servidora como um construto acadêmico e prático.

O processo envolveu uma revisão abrangente e crítica das taxonomias de liderança servidora previamente propostas por especialistas no campo. Essa análise comparativa permitiu aos pesquisadores identificar os elementos comuns e diferenciadores que persistiam através dos variados modelos teóricos.

Com base nessa interpretação refinada da liderança servidora e nas contribuições consolidadas da extensa literatura existente, a equipe de pesquisa delineou nove dimensões que acreditavam capturar a essência do construto. Esse esforço foi além da simples compilação de características; ele representou um esforço deliberado para validar empiricamente cada dimensão através de uma metodologia de pesquisa robusta, assegurando que as dimensões identificadas fossem não apenas teoricamente fundamentadas, mas também empiricamente suportadas.

Portanto, a chegada às dimensões da liderança servidora foi o resultado de uma busca sistemática e criteriosa por consistência e clareza dentro de um campo marcado pela diversidade de perspectivas:

  1. Cura Emocional — o ato de mostrar sensibilidade às preocupações pessoais de outros.
  2. Criando Valor para a Comunidade — uma preocupação consciente e genuína em ajudar a comunidade.
  3. Habilidades Conceituais — possuir o conhecimento da organização e das tarefas em mãos de forma a estar em posição de apoiar e assistir efetivamente os outros, especialmente os seguidores imediatos.
  4. Empoderamento — encorajar e facilitar os outros, especialmente os seguidores imediatos, na identificação e resolução de problemas, bem como determinar quando e como completar as tarefas de trabalho.
  5. Ajudando Subordinados a Crescer e Ter Sucesso — demonstrar uma preocupação genuína pelo crescimento e desenvolvimento de carreira dos outros, fornecendo suporte e mentoria.
  6. Colocando Subordinados em Primeiro Lugar — usar ações e palavras para deixar claro para os outros (especialmente os seguidores imediatos) que satisfazer suas necessidades de trabalho é uma prioridade (Supervisores que praticam este princípio muitas vezes interrompem seu próprio trabalho para auxiliar subordinados com problemas que estão enfrentando com suas tarefas designadas).
  7. Comportando-se Eticamente — interagir de forma aberta, justa e honesta com os outros.
  8. Relacionamentos — o ato de fazer um esforço genuíno para conhecer, entender e apoiar outros na organização, com ênfase na construção de relacionamentos de longo prazo com seguidores imediatos.
  9. Servidão — uma maneira de ser marcada pela auto-categorização e desejo de ser caracterizado por outros como alguém que serve aos outros primeiro, mesmo quando o auto-sacrifício é necessário.

O estudo decorreu na expectativa de validar três hipóteses. A seguir detalhadas, e com seus respectivos achados obtidos após a pesquisa:

 

Hipótese 1: A liderança servidora é um construto multidimensional que pode ser validamente medido.

Achados: Análises fatoriais exploratórias e confirmatórias apoiaram uma medida multidimensional de liderança servidora, identificando sete dimensões válidas, demonstrando a validade da escala de liderança servidora de 28 itens.

A pesquisa desenvolveu e validou uma escala multidimensional de liderança servidora composta por 28 itens, selecionando os quatro itens de maior carga fatorial em cada uma das sete dimensões identificadas. Aqui estão os 28 itens distribuídos pelas dimensões relevantes:

 

Cura Emocional

1. Procuraria ajuda do meu gerente se tivesse um problema pessoal.

2. Meu gerente se preocupa com meu bem-estar pessoal.

3. Meu gerente tira tempo para conversar comigo em um nível pessoal.

4. Meu gerente pode reconhecer quando estou triste sem me perguntar.

 

Criando Valor para a Comunidade

5. Meu gerente enfatiza a importância de dar de volta à comunidade.

6. Meu gerente está sempre interessado em ajudar pessoas em nossa comunidade.

7. Meu gerente está envolvido em atividades comunitárias.

8. Sou encorajado pelo meu gerente a me voluntariar na comunidade.

 

Habilidades Conceituais

9. Meu gerente pode dizer se algo está errado.

10. Meu gerente é capaz de pensar efetivamente através de problemas complexos.

11. Meu gerente tem um entendimento completo de nossa organização e seus objetivos.

12. Meu gerente pode resolver problemas de trabalho com ideias novas ou criativas.

 

Empoderamento

13. Meu gerente me dá a responsabilidade de tomar decisões importantes sobre meu trabalho.

14. Meu gerente me encoraja a lidar com decisões importantes de trabalho por conta própria.

15. Meu gerente me dá liberdade para lidar com situações difíceis da maneira que eu acho melhor.

16. Quando tenho que tomar uma decisão importante no trabalho, não preciso consultar meu gerente primeiro.

 

Ajudando Subordinados a Crescer e Ter Sucesso

17. Meu gerente faz do meu desenvolvimento de carreira uma prioridade.

18. Meu gerente está interessado em garantir que eu alcance meus objetivos de carreira.

19. Meu gerente me fornece experiências de trabalho que me permitem desenvolver novas habilidades.

20. Meu gerente quer saber sobre meus objetivos de carreira.

 

Colocando Subordinados em Primeiro Lugar

21. Meu gerente parece se importar mais com meu sucesso do que com o dele próprio.

22. Meu gerente coloca meus melhores interesses à frente dos dele.

23. Meu gerente sacrifica seus próprios interesses para atender às minhas necessidades.

24. Meu gerente faz o que pode para tornar meu trabalho mais fácil.

 

Comportamento Ético

25. Meu gerente mantém altos padrões éticos.

26. Meu gerente é sempre honesto.

27. Meu gerente não comprometeria princípios éticos para alcançar sucesso.

28. Meu gerente valoriza a honestidade mais do que os lucros.

 

Hipótese 2: Comportamentos de liderança servidora explicam a variação nos comportamentos de cidadania comunitária, desempenho no papel e comprometimento organizacional dos subordinados, além do explicado pela liderança transformacional e LMX.

A Hipótese 2 do estudo investigou como os comportamentos de liderança servidora afetam os comportamentos de cidadania comunitária, desempenho no papel e comprometimento organizacional dos subordinados, além dos efeitos já conhecidos da liderança transformacional e da troca líder-membro (LMX). Aqui está uma explicação detalhada dos conceitos e dos achados:

Achados: A inclusão das dimensões de liderança servidora explicou uma variação adicional significativa nos comportamentos de cidadania comunitária (19%), desempenho no papel (5%) e comprometimento organizacional dos subordinados.

Esses achados ressaltam o valor único da liderança servidora em promover não apenas o bem-estar e o desenvolvimento dos subordinados, mas também em impulsionar comportamentos que beneficiam a comunidade mais ampla e a organização como um todo. Especificamente, a liderança servidora encoraja os subordinados a ir além das expectativas formais de seus papéis, contribuindo para uma cultura organizacional mais forte e um compromisso mais profundo com os objetivos e valores da organização.

Conceitos Fundamentais:

  • Comportamento de Cidadania Comunitária: Refere-se às ações voluntárias dos subordinados que ajudam a melhorar a comunidade dentro e fora da organização. Estes comportamentos não são diretamente reconhecidos pelas estruturas formais de recompensa da organização, mas são cruciais para a criação de um ambiente positivo e para o sucesso a longo prazo da comunidade e da organização.
  • Desempenho no Papel: Este termo descreve o quão bem um indivíduo executa as tarefas que são diretamente relacionadas ao seu trabalho e responsabilidades. Medir o desempenho no papel envolve avaliar a eficácia com que os subordinados cumprem os requisitos e objetivos específicos de seus cargos.
  • Comprometimento Organizacional: Este conceito se refere ao nível de lealdade, identificação e envolvimento de um empregado com sua organização. Funcionários com alto comprometimento organizacional estão mais propensos a permanecer na empresa, demonstrar lealdade e exibir esforços extras que vão além das expectativas de seu papel.

 

Hipótese 3: As pontuações agregadas de liderança servidora no nível do grupo estão positivamente relacionadas aos resultados dos subordinados.

A Hipótese 3 do estudo investigou se a liderança servidora, quando medida no nível do grupo (isto é, considerando a equipe ou departamento como um todo), está relacionada positivamente aos resultados dos subordinados, como desempenho no trabalho, comprometimento organizacional, entre outros. Aqui está uma explanação mais detalhada dos achados e suas implicações:

 

Achados Principais:

  • Relação entre Liderança Servidora e Desempenho: O estudo não identificou relações significativas entre dimensões específicas da liderança servidora no nível do grupo e os resultados individuais dos subordinados. Isso significa que, ao analisar características específicas da liderança servidora (como empatia, ética, empoderamento etc.) no contexto do grupo, não foi possível estabelecer uma ligação direta com o aumento ou a diminuição de resultados como desempenho no papel ou comprometimento organizacional. No entanto, quando as pontuações de liderança servidora foram consideradas de forma agregada para todo o grupo, observou-se que elas explicavam 11% da variância no desempenho entre diferentes supervisores. Isso sugere que, no nível agregado, a liderança servidora tem um impacto positivo no desempenho no papel dos subordinados.

 

Discussão e Conclusões:

  • Impacto Indireto da Liderança Servidora: Os resultados indicam que a liderança servidora no nível do grupo tem um efeito indireto nos resultados dos subordinados. Esse efeito indireto pode ocorrer porque a liderança servidora contribui para a criação de uma cultura ou clima organizacional que promove valores como o serviço aos outros, o que, por sua vez, pode influenciar positivamente o desempenho dos subordinados.
  • Influência de Outros Fatores: A liderança servidora, embora tenha um efeito positivo, não é o único fator que influencia os resultados dos subordinados. Outros fatores organizacionais, como políticas de gestão, práticas de trabalho, cultura organizacional e dinâmicas de equipe, também podem desempenhar um papel importante em como a liderança servidora impacta os resultados.
  • Suporte Parcial para a Hipótese: Dado que a liderança servidora no nível do grupo explicou uma parte da variação nos resultados dos subordinados, os achados oferecem suporte parcial para a Hipótese 3. Isso sugere a importância de considerar a liderança servidora como um elemento valioso na promoção de resultados positivos nos subordinados, mas também destaca a necessidade de entender como ela interage com outros elementos dentro do contexto organizacional.

Enquanto a liderança servidora no nível do grupo influencia positivamente o desempenho no papel, essa relação é complexa e mediada por outros fatores organizacionais. A pesquisa sugere a importância de abordar a liderança servidora não apenas como uma série de comportamentos individuais dos líderes, mas como parte de uma estratégia de gestão integrada que considera o contexto organizacional mais amplo.Parte superior do formulário

Ao refletirmos sobre a liderança servidora, emergem insights valiosos sobre a natureza do verdadeiro serviço e da influência positiva que um líder pode exercer sobre seus subordinados e a comunidade mais ampla. A essência dessa abordagem não reside na obtenção de resultados imediatos ou no sucesso mensurável de curto prazo, mas sim na promoção do crescimento, bem-estar e sucesso coletivo de forma sustentável e ética.

A liderança servidora lança luz para o verdadeiro valor de um líder, como sendo medido não pelo que ele extrai, mas pelo que ele infunde na vida dos outros: uma capacidade de enxergar além do próprio ego, de cultivar potenciais e de nutrir um ambiente onde o crescimento pessoal e profissional não é apenas possível, mas encorajado. Este modelo de liderança nos lembra que cada ação, cada decisão tomada, reverbera além das paredes de uma organização, tocando as vidas da comunidade e contribuindo para um legado que transcende o tangível.

No entanto, é fundamental reconhecer que, apesar de seus numerosos benefícios, a liderança servidora não é uma solução mágica para todos os desafios organizacionais. Os resultados desta abordagem de liderança, embora profundamente significativos, podem não ser imediatamente evidentes no desempenho numérico ou nos lucros de curto prazo. É um lembrete de que o verdadeiro impacto da liderança servidora se manifesta ao longo do tempo, através do desenvolvimento de uma cultura de respeito, ética e apoio mútuo.

Vivemos em uma realidade dominada por resultados rápidos e êxito quantificável, a liderança servidora nos desafia a repensar nossas definições de sucesso e liderança. Ela nos convida a considerar a possibilidade de que o maior impacto que podemos ter não se mede pelo que alcançamos para nós mesmos, mas pelo que possibilitamos para os outros.

Assim, ao encerrar nossa discussão sobre liderança servidora, somos deixados com uma reflexão profunda: seria a verdadeira liderança, menos sobre o caminho que percorremos sozinhos e mais sobre como elevamos aqueles ao nosso redor em nossa jornada coletiva? Nesse sentido, a liderança servidora poderia ser uma filosofia que ressoa com a ideia de que servir é o alicerce mais sólido sobre o qual podemos construir nossas comunidades e nossas organizações.

Referências:

Eva, N., Robin, M., Sendjaya, S., Van Dierendonck, D., & Liden, R. C. (2019). Servant leadership: A systematic review and call for future research. The leadership quarterly, 30(1), 111-132.

Ehrhart, M. G. (2004). Leadership and procedural justice climate as antecedents of unit-level organizational citizenship behavior. Personnel Psychology, 57, 61−94.

Greenleaf, R. K. (1977). Servant leadership: A journey into the nature of legitimate power and greatness. New York: Paulist Press.

Liden, R. C., Wayne, S. J., Zhao, H., & Henderson, D. (2008). Servant leadership: Development of a multidimensional measure and multi-level assessment. The leadership quarterly, 19(2), 161-177.

Page, D., & Wong, P. T. P. (2000). A conceptual framework for measuring servant leadership. In S. Adjibolooso (Ed.), The human factor in shaping the course of history and development (pp. 69−110). Washington, DC: American University Press.

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